Festival de World Music volta a por Loulé a mexer
MED: E O MUNDO AQUI TÃO PERTO
O mês de Junho é, provavelmente o mais aguardado por toda a cidade de Loulé e, em 2011 isso não foi excepção. Entre 22 e 25 de Junho, Esta cidade algarvia voltou a encher-se de sons, ritmos, cores, sabores, aromas e ambientes vindos um pouco de todo o mundo, e que, inseridos no belíssimo cenário centro histórico louletano, criam uma atmosfera verdadeiramente mágica, como se de um universo à parte se tratasse. Falamos do MED, o festival de world music que, ao fim de 8 edições se tornou já numa referência europeia dos festivais deste género.
O cartaz estava mais nacional, menos sonante, talvez graças aos cortes orçamentais que se impõem um pouco por todo o lado, mas mesmo sem o alinhamento de luxo a que estávamos habituados, a festa permanece igual a si mesma, mágica e envolvente, com menos gente que nos anos transatos, é certo, mas com o mesmo calor e animação a que nos tem vindo a acostumar.
Mas falemos de música. O programa de 2011 foi indiscutivelmente mais modesto, mas mesmo assim ofereceu-nos algumas verdadeiras pérolas às quais não podemos ficar indiferentes. Contudo e, no geral, a quebra no nivel de qualidade e, sobretudo de variedade fez-se sentir e, se os padrões dos anos anteriores não forem mantidos, isso pode vir a afastar público das próximas edições.
Como já vem a ser hábito, a noite de 22 começou com música clássica na igreja matriz, às quais se seguiram nomes da região no palco do arco e da bica. Depois de uns comes e bebes bem concorridos, às 21.30 no castelo (este ano com 2 portas de acesso e sem bancadas, o que fez milagres pela circulação neste espaço), subiu ao palco Lula Pena, cantora, guitarrista, compositora e intérprete portuguesa, que em Junho de 2010 lança o seu segundo álbum, ‘Troubadour’ (Mbari) doze anos de ausência, num concerto calmo em jeito de aquecimento para o que ai vinha.
Quinze minutos mais tarde, o palco da cerca recebeu a jovem revelação do fado, António Zambujo e a sua versão muito própria desta canção tipicamente lisboeta que, na sua voz, se reveste de novas roupagens, indo buscar influencias ao fado de Coimbra, ao cante alentejano, a jaques Brell ou à música brasileira, num cruzamento de culturas que parece correr bem.
Uma hora mais tarde, o palco da Matriz recebia aquele que viria a ser o grande momento da noite.
Respirava-se Med durante a actuação de JAADU – Faiz Ali Faiz & Titi Robin; sentia-se o pulsar do médio oriente ali mesmo ao lado da imponente igreja que serve de cenário a este palco. O encontro entre o cantor paquistanês Faiz Ali Faiz e o guitarrista francês Titi Robin que se viria concretizar em 2006 sob o nome de JAADU é aquilo a que se pode chamar um encontro feliz em que o flamenco dos ciganos espanhóis e franceses e a música árabe se cruzam numa perfeita harmonia em melodias inebriantes que não deixam ninguém ficar parado.
Enquanto no palco Castelo, Marrokan brindava os presentes com os seus ritmos multiculturais, inspirados em correntes tão diversas como o fado, a Morna, a Soul, o Reggae e a World Music, na cerca eram os Espanhois Muchachito Bombo infierno que faziam a festa nesta que viria a ser a ultima actuação desta noite. Já em 2008 Muchachito tinha enchido o Med de uma alegria contagiante e, agora, o espectáculo estava ainda mais completo com a presença da sua banda os Bombo Infierno que fizeram a multidão dançar noite dentro com esta fusão entre a rumba catalã, o rock o reggae e tantas outras influências numa actuação cheia de salero.
Eram 21.30 de dia 23, quando os portugueses The Gilbert’s Feed band subiram ao palco castelo para um concerto que prometia animar a noite. Mascarados e envoltos num ambiente circence (ou não se intitulasse o seu último álbum “Strambolic Circus”), esta banda já com 15 anos de carreira trouxe até nós uma atmosfera algo burlesca a fazer lembrar os filmes de Kusturica. Festa alegria, humor e muita energia foram os elementos chave deste concerto em que a música dos Balcãs se cruza com o rock, o ska, o punk, o metal, o swing ou o funk numa mistura improvável mas bem conseguida.
Na cerca, espaço para os nacionais Sean Riley and the slow riders que, perante uma plateia numerosa fizeram o esperado: uma actuação calma mas bem sucedida em que a voz poderosa e com um toque de Bob Dilan de Sean Riley se destaca e conquista todos quantos a ouvem.
O melhor estava para vir, e veio, às 22h45 na Matriz, palco reservado aos grandes nomes internacionais deste MED 2011.
Depois do irmão Femi Cuty ter levado ao rubro este mesmo palco no ano passado, este ano, Seun Cutty fez o que parecia impossível: superou-o.
Seun Cuty, filho mais novo do pai do afrobeat, Fela Cuty, foi protagonista daquele que foi, sem duvida um dos pontos mais altos desta edição do MED.
Após alguns problemas de som resolvidos com elegância, Seun Cuty deu espectáculo com o seu saxofone.
Mas este cantor, saxofonista e compositor nigeriano veio muito bem acompanhado pelos Egipt 80, agrupamento composto por músicos de elevado calibre, que em tempos acompanharam o seu pai.
Fela tocou, cantou, dançou e interagiu com o público. Fez tudo o que se espera de um artista de corpo inteiro, lamentando apenas não ter tempo para falar mais com a assistência, mas deixando ainda uma clara mensagem a favor da legalização da cannabis: o tema “Plant it and let it grow” pôs todo o Med a cantar.
E chegou a hora dos Golpes, uma das bandas revelação de 2010 no panorama da nova música portuguesa. Apesar de ficarem ainda longe da energia de uns Diabo na Cruz, os Golpes não desiludiram e puseram o publico a cantar ao som do seu tema mais conhecido “ Vá lá Senhora”. Um concerto com um toque revivalista (bem) cantado em português.
Meia hora depois era tempo para o palco da cerca receber o esloveno Magnifico, num concerto que apesar de envolto numa enorme expectativa, acabou por gerar alguma desilusão e comentários pouco entusiasmados no seio da audiência. Este artista, conhecido pelo humor e pela irreverência que o caracterizam, aborda sem pudor temas tão controversos como o racismo, a homofobia, a máfia e o sexo, teve no MED uma actuação morna, muito aquém do esperado.
Chegados ao 3º dia de festival, foi tempo de receber os Almouraria no palco castelo. Este conjunto português conhecido pelas suas interpretações do fado tradicional e por algumas incursões no chamado fado novo e por algumas canções portuguesas foi protagonista de um concerto bem interpretado mas demasiado conservador. Mas nem as vozes cristalinas nem a correcta execução instrumental fizeram deste um grande concerto, faltou alguma alma e irreverência neste início de noite no MED.
Mas se faltou alma aos Almouraria, a actuação que se seguiu no palco da Cerca foi simplesmente arrebatadora! Com apenas 23 anos, Luísa Sobral promete dar que falar.
Não é só a musica, ou o rigor instrumental ou a boa voz que fazem um grande artista e, todos os outros ingredientes Luísa, tem-nos de sobra: simpatia, graça, carisma e um sorriso sincero estampado no rosto de alguém que trata o público como amigo.
Nesta que foi a sua primeira actuação ao vivo, Luísa deixou o público que enchia o palco da cerca rendido aos seus encantos. Cantou, tocou mais de 6 instrumentos diferentes, contou histórias, conversou, encheu o palco como se pede a uma grande artista.
Num registo Jazz, Luísa canta com a mesma naturalidade em inglês ou na língua de Camões e o seu repertório cheia de belas melodias dá-nos vontade de correr a comprar o seu álbum de estreia “Cherry On My Cake”.
Luísa cantou e encantou, com o seu single “Not there Yet”, o tema em português “O engraxador”, uma versão (ou a salvação) de “Toxic” de Britney Spears, a interpretação de “Saiu para a rua” de Rui Veloso e um punhado de tantas outras boas canções.
“Foi uma noite muito especial”, afirmou no fim… para nós também Luísa!
Terminado o concerto no palco cerca, era tempo de percorrer as ruas e vielas que nos levavam à matriz para ver o nome maior do Funk, George Clinton, acompanhado pelos Parliament/ Funkadelic que aqui nos vieram mostrar um lado mais obscuro, experimental e interventivo (mas nem por isso menos electrizante) deste género musical.
Se para uns, George Clinton demonstra já alguma falta de energia, para outros este foi o grande concerto do festival. O palco encheu-se de músicos num ambiente que faz lembrar as mean streets nova yorquinas, onde o crime e a prostituição se encontram em cada esquina, para um concerto onde se sucederam as participações de outras vozes que a par de Clinton pintaram a atmosfera funk, algo underground mas cheia de energia.
Sonoridades totalmente diferentes marcaram presença no palco da cerca onde teve lugar a actuação dos Ucranianos Dakha Brakha. Compostos pelas cantoras e multi-instrumentistas Nina Garenetska, Iryna Kovalenko e Olena Tsibulska, acompanhadas pelo também cantor e multi-instrumentista Marko Halanevych, os Dakha Brakha trouxeram a palco toda uma parafernália de instrumentos onde não faltavam as maracas da América Latina, o didgeridoo da Austrália, o djembé da zona mandinga ou o bukhalo dos Cárpatos, lado a lado com acordeões e violoncelos, numa verdadeira confluência de sons que não teme o caos.
Tendo como base a música tradicional ucraniana, os Dakha Brakha abrem-se a outros estilos, numa música de carácter experimental, ora encantatória, ora mais violenta que faz deles um nome a reter.
Enquanto no Arco tocava Noiserv, projecto musical do português David Santos, caracterizado por uma extrema intensidade e carácter intimista, no palco da Matriz a multidão ia-se acumulando para ver o projecto Luso Angolano Batida que, logo no seu 1º single “Bazuca” conquistou um lugar de topo nas rádios nacionais e pôs toda a gente a dançar com o seu Kuduro transvestido de hip-hop, funk carioca, dancehall, grime e kwassa kwassa.
Ao vivo confirmámos o porquê de tanto sucesso: com um ritmo alucinante, os batida fizeram desfilar pelo palco 2 vocalistas e 2 bailarinos, a par de 2 djs e um percursionista, num espectáculo cénico verdadeiramente contagiante. Era impossível ficar indiferente aos ritmos, aos movimentos ginasticados, a toda a encenação e à projecção vídeo que acompanhou todo o concerto, criando um background que recria Angola de uma forma mais actual e contemporânea.
Houve máscaras feitas de tampos de sanita, houve um estendal montado de um lado ao outro do palco, houve um improvável vocalista branco com uma irreparável pronuncia angolana, houve apitos atirados para a plateia – criaram monstros, exclamava uma rapariga perante o barulho ensurdecedor de centenas de pessoas de apito na boca –… Houve festa, muita festa!
Mas se o penúltimo dia do Med foi a típica sexta-feira, com engarrafamentos nas ruazinhas e enchentes nos vários palcos (muito às custas dos fãs de batida), o sábado mostrava-se visivelmente mais vazio do que o habitual para quem está habituado a estas andanças mediterrâneas… Cheio, mas à vontade, mais fazia lembrar uma qualquer 4ª ou 5ª Feira de Med. Culpa da Crise? ...
Mas se havia menos gente no geral, no palco castelo pouco espaço sobrava para quem não quis perder Frankie Chavez, o one man band sensação de 2010. Com o seu arsenal de guitarras, onde não falta a Lap Slide Guitar, e a sua bateria improvisada, Frankie deu um dos grandes concertos desta noite, provando que, em pouco tempo, conquistou já uma pequena legião de fãs que cantavam ao som de temas como “time machine”, da versão de “Hey” dos Pixies, de “I dont belong” ou de “The Search” (quem não se lembra do anúncio do azeite?).
Frankie deu espectáculo sentado numa cadeira, sem luzes nem efeitos especiais, só a voz e a execução perfeita de alguém que toca blues com as 12 cordas da guitarra portuguesa com a mesma naturalidade de quem troca de camisa. E que bem que sabe ouvir este arrepiante instrumento, que tanto nos toca a nós portugueses, aqui revestido de novas e brilhantes sonoridades. “Muito Obrigado, isto tá a ser mágico”, atrevo-me a dizer que aqui, a magia esteve nas mãos do músico.
Estava presa à musica de Frankie Chavez, mas na cerca já actuava Márcia e era tempo de partir para outra.
A caminho, pensei, “mas será que o concerto já acabou?”, tal não era a quantidade de gente que vinha em direcção oposta, mas não, o concerto não tinha acabado, mas também não os tinha prendido. Dona de uma bonita voz, Márcia entoa docemente bonitas melodias e letras com significado, mas falta-lhe o brilho das grandes estrelas. O resultado? Um espectáculo morno que não entusiasma e uma plateia meio vazia que apenas se entusiasmou ao som de “cabra cega”, o single da cantora. Nem só de voz vive o artista.
Às 22.45, a matriz foi palco de mais música de leste, ao som dos Balkan Brass Battle. Este cruzamento entre a banda de metais romena Fanfare Ciocarlia e os sérvios Boban & Marko Markovic foi uma enorme festa de raízes ciganas e versões inesperadas de temas bem conhecidos de todos. Este foi mais um bom momento Med, uma batalha de bandas que pôs todos a dançar numa verdadeira festa da música.
De volta à Alcaidaria do Castelo de Loulé, era tempo de ouvir mais uma banda portuguesa. Os Pinto Ferreira deram um espectáculo suficientemente bom para deixar alguns turistas britânicos presos do princípio ao fim aos ritmos lusos cantados num idioma que não conhecem.
O Pinto e o Ferreira vivem num qualquer escritório imaginário esperando pela hora de sair e, em palco, brindam-nos com canções agradáveis que entram no ouvido, que abordam sobre temas tão improváveis como o não-amor em “violinos no telhado” ou a estupidez, num verdadeiro elogio à mesma e, tal como a estupidez, o Pinto e o Ferreira (que na realidade são 3) só merecem elogios.
De Portugal a África foi um passo, ou melhor, tantos passos quantos os que separam o palco do castelo do da cerca, onde Mulatu Astacke, multi-instrumentista e lenda viva da música da Etiópia brindou a assistência com a fusão entre a música tradicional do seu país e sonoridades ocidentais como o jazz ou os ritmos latino-americanos, criando um novo género musical que dá pelo nome de ethio-jazz, ou jazz etíope.
Esta foi uma actuação marcada por um cunho pessoal muito vincado e por um intimismo que pedia uma hora menos tardia na programação do festival mas foi, ainda assim, um grande momento de música.
Já ia longa a noite, quando os ritmos africanos e latinos se fundiram ao som do colectivo Afrocubism que integra membros oriundos de Cuba e do Mali, num contagiante cocktail de sonoridades.
Este colectivo junta alguns dos maiores nomes da música destes 2 países, alguns deles protagonistas do mais aclamado disco de World Music de sempre, “Buena Vista Social Club” (1996) e foi esta verdadeira constelação de estrelas que encerrou em beleza e muito ritmo esta 8ª edição do MED.
Para o ano há mais mundo a descobrir... venha ele!