‘Indie jazz’ poliglota de Salvador Sobral arrebata CCB

‘Indie jazz’ poliglota de Salvador Sobral arrebata CCB  

Salvador Sobral não conseguiu pregar olho a pensar na responsabilidade de atuar no mesmo auditório onde vira, na quinta-feira, 29 de junho, a artista catalã Sílvia Pérez Cruz apresentar o mais recente álbum "Vestida de Nit". Apesar de ser anunciado como um concerto do álbum “Excuse Me”, editado na primavera de 2016, ao longo de mais de duas horas houve muitos desvios por novos temas, algumas versões, introduções ou prolongamentos às músicas do álbum de estreia e, até, um desvio ao recém-editado “Alexander Search”, projeto paralelo inspirado em Fernando Pessoa do pianista Júlio Resende e de Salvador Sobral, aqui Augustus Search e Benjamin Cymbra, respetivamente.

Antes do início do espectáculo, Salvador apela à audiência que, se possível, desligue os telemóveis - “não fotografem, não filmem, não tirem ‘selfies’ e não façam diretos nas redes sociais; no final haverá um momento de 20 segundos para todos os que queiram fotografar ou filmar; quer adorem, quer detestem, o que interessa é saírem da sala com uma sensação forte”. E não é que a generalidade das pessoas ao longo das mais de duas horas de concerto respeitou a vontade dos artistas? Que prazer e que privilégio não ter telemóveis constantemente ao alto, flashes e outras perturbações. Devia ser sempre assim, “la vida (no) es uma selfie”.

Salvador recorda os dias recentes em que o quarteto - com Júlio Resende (piano), André Rosinha (contrabaixo) e Bruno Pedroso (bateria, anunciado como o “mais sexy da banda” ) -, entre amigos, habitava a Fábrica do Braço de Prata - e recebia 50 euros por noite, “agora cada um cobra 25 mil euros”, brinca, afirmando estar muito contente com a forma como a banda está a soar - “se calhar para o ano estou com outros gajos quaisquer e estou a dizer isto; sinto que temos um som característico da banda e que temos uma liberdade total, há sempre coisas a acontecer; o meu caminho é cada vez mais a música improvisada e eles estão a ajudar-me imenso; sinto que hoje é um grande passo nesta caminhada”.

“O Júlio compôs a música e o poema é de um gajo que escrevia umas coisas… Fernando Pessoa”. Dedicada a Bernardo Sassetti (1970 - 2012), a novíssima “Presságio” alia o arrojo de Resende na criação à possante interpretação de Salvador, com Rosinha e Pedroso a alinharem na festa. Segue-se a reconhecida tema-título “Excuse Me”, com uma introdução digna do melhor free jazz.

“Vamos agora seguir para uma canção que não é minha; verdade seja dita sou melhor intérprete do que compositor, pode ser que isso mude no futuro, mas por agora a realidade é a que é”, afirma na apresentação de “Loucura”, do brasileiro Lupicínio Rodrigues - uma sugestão de Resende para o segundo disco a solo de Salvador, tal como o havia feito em “Excuse Me” com “Nem eu", de Dorival Caymmi.

“A minha editora está-me sempre a perseguir: ‘tens de fazer um disco porque agora é que está a dar’. Quer dizer, desde domingo, dizem que se calhar é melhor esperar um bocadinho”. O ‘domingo’ será terça-feira, o dia do evento de solidariedade “Juntos Por Todos”, no qual o vencedor da Eurovisão ameaçou, ironicamente, um momento de flatulência que terá incomodado muitos telespectadores. Aqui, num CCB lotado, boa parte do público presente - muito diversificado, dos 8 aos 80, apreciadores de jazz e não só - riu-se do humor peculiar de Salvador Sobral, aplaudiu frequentemente os músicos após solos ‘jazzísticos’ e ovacionou o quarteto de pé, diversas vezes.

“Mesmo de ouvido, estamos habituados a uma quantidade de aplausos; de repente há mesmo pessoas a aplaudir um solo de contrabaixo; até fiquei assim: ‘O que se passa? Provavelmente há aí um outro a fazer outra coisa qualquer’; as pessoas vêm ter comigo e dizem: ‘Não costumo ouvir jazz, mas agora que ouvi o teu disco - que não é jazz puro mas é uma porta de entrada’; estamos todos felizes de poder levar isto às pessoas que em Portugal, nas terras, não estão tão habituadas. Não lhes é dado e as pessoas agradecem por sermos uma espécie de ‘profetas do jazz’.”

Em "Ready For Love Again", também de “Excuse Me”, Salvador ora lembra a força interior do flamenco, ora recorda a qualidade vocal de Jeff Buckley (e como seria interessante um dia escutarmos uma versão do norte-americano...) enquanto Resende executa, na perfeição, cruzamentos melódicos no limiar das composições de bandas sonoras de filmes mais ou menos independentes. Outro momento de invulgar beleza foi o feliz ‘casamento musical’ entre “Nem Eu”, de Dorival Caymmi, e “Epigram - I Love My Dreams”, de Alexander Search (“o disco saiu na sexta-feira e está super barato; devia valer muito mais, não por causa do Pessoa - “Alexander Search” tem por base os poemas de Fernando Pessoa, enquanto jovem, na África do Sul -, que isso dá igual, mas por causa da voz vencedora da Eurovisão”, ironiza Salvador).

Dedica o novo tema “Benjamin” ao amigo Luís Nunes, autor de “Auto Rádio”, depois de explicar a origem de Benjamin Cymbra, o heterónimo transexual - nasceu mulher, agora é homem - que assume no projeto Alexander Search. De “Welcome to Las Vegas, that’s entertainment” (...) a “a alma está com o coração”, cantada em uníssono, da esquerda à direita - “se há por aí alguma diva que faça [um falsetto]”, mais um momento digno de antologia.

O ‘performer’ percorre o palco, usa o microfone do piano de Resende, aproxima-se da bateria e do contrabaixo, nomeadamente nos solos, baixa e sobe o microfone, que envolve conforme a experiência vocal que ambiciona proporcionar, distancia-se, ‘simula’ air guitar e ‘toca’ o famosíssimo trompete.   

No final de "Something Real", antes de rir que nem um louco, exulta um “Hoje é o Primeiro Dia do Resto da Tua Vida” (Sérgio Godinho, também ele presente no evento “Juntos Por Todos”, sentiria orgulho com a menção). Pelo meio, o pai de Salvador Sobral não escapa a um “não acredito, olhem-me este sacana”, por ter abandonado a sala por breves momentos.

“Toda a família nuclear me chama ‘mano’. Sempre é menos beto do que ‘Salvador’. (...) A minha mana ligou-me a dizer que o (grande) Nuno Galopim lhe propôs escrever um tema para o Festival da Canção; Acho que te enganaste - disse-lhe - na televisão NUNCA MAIS. Desde 2009 que não ponho lá os pés. Nem pensar. Mas depois ela mandou-me aquela canção preciosa. Como é que se diz que não? Vocês não diriam que não - bom, se cantarem muito mal…; ainda por cima estava a precisar de dinheiro. E lá interpretei a canção, não sei quantos meses depois estou aqui, esgotei dois CCB. Queria dedicar esta canção à minha querida mana, a melhor escritora de canções desta geração - e das outras que vêm aí porque sei que não vai nascer ninguém que escreva melhor (talvez o meu sobrinho, pois é). Não acho que esta seja a melhor canção que ela tem, mas tem qualquer coisa”.

Com algumas reminiscências dos momentos mais íntimos de “La La Land”, Resende acaricia o piano antes de Salvador interpretar de forma diferenciada “Amar Pelos Dois”, acompanhado em todas as palavras pela esmagadora maioria das almas presentes no CCB, à qual só um ‘calhau’ ficaria indiferente.

Uma voz feminina, no meio do público, grita um “Tudo vale a pena quando a alma não é pequena” que antecede "Ay Amor", também ela de “Excuse Me”, cantada de forma intensa e contemplativa, como que a adiar o final de um concerto que se sabia próximo.

Um exaltado “apaguem as máquinas, arranquem os fios” são algumas das palavras de ordem da novíssima “180/181”, a primeira do encore. “Comecei a imaginar uma pessoa em coma - e percebi que ela não queria acordar à medida que ia escrevendo. Não estava a perceber porquê, mas quanto mais escrevia percebia que ela estava em coma porque tinha tido um acidente em que tinha matado alguém. Então havia a dualidade de acordar e ter de lidar com a realidade. Esta canção é escura e na verdade é a maneira como me sinto ultimamente; pensei: ‘Vou vomitar esta canção uma vez que a sinto de verdade com tudo o que se tem passado na minha própria vida’. E decidi fazê-la. Mas não pode ser a última caso contrário as pessoas vão numa ‘bad vibe’ para casa. O meu primo Zé disse-me: ‘Se não cantares “A Case of You”, devolvo o bilhete’.”     

E Salvador cantou Joni Mitchel, num medley, sozinho, ao piano, onde incluiu “Ninguém Escreve à Alice”, de Rui Veloso, e “Quando Te Vi”, da ‘mana’ Luísa - “eu não vos disse que ela tinha canções mais bonitas? E esta é a mais bela de todas ‘quando te vi, quando te vi, quando te vi’.” E lá permitiu o prometido momento de fotos e vídeos, amplamente partilhado e aproveitado pela generalidade do público, em êxtase.

Salvador Sobral regressa esta segunda-feira ao grande auditório do CCB, em Lisboa, e atua nos dias 5 e 18 de julho na Casa da Música, no Porto.

Alinhamento

- "Change" (do álbum "Excuse Me", 2016)

- "Nada Que Esperar" (do álbum "Excuse Me", 2016)

- "Presságio" (nova, a incluir no segundo álbum a solo de Salvador Sobral)

- "Excuse Me" (do álbum "Excuse Me", 2016)

- "Loucura" (de Lupicínio Rodrigues, a incluir no segundo álbum a solo de Salvador Sobral)

- "Ready For Love Again" (do álbum "Excuse Me", 2016)

- "Nem Eu" (de Dorival Caymmi, presente no álbum "Excuse Me", 2016; com excertos de “Epigram - I Love My Dreams”, de Alexander Search)

- "Benjamin" (nova, a incluir no segundo álbum a solo de Salvador Sobral)

- "Something Real" (do álbum "Excuse Me", 2016)

- "Amar Pelos Dois" (de Luísa Sobral, tema vencedor do Festival da Canção - RTP e da Eurovisão 2017)

- "Ay Amor" (do álbum "Excuse Me", 2016)

Encore

- “180/181” (nova, a incluir no segundo álbum a solo de Salvador Sobral)

- “Ninguém Escreve à Alice” (de Rui Veloso, do álbum “Avenidas”, de 1998)

- “Quando Te Vi” (de Luísa Sobral, do álbum “There's a Flower in My Bedroom”, de 2013)

- "A Case of You" (de Joni Mitchel, do álbum “Blue”, de 1971)

Texto: Filipe Pedro

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